No Brasil, as empresas podem explorar
qualquer atividade que não seja expressamente ilícita (art. 170 da
Constituição).
Não há, na Lei de Licitações, exigência
explícita de que o objeto social da empresa contemple exatamente o objeto
licitado. Exige-se somente que a empresa demonstre estar devidamente cadastrada
na esfera pertinente (Municipal, se prestador de serviços; Estadual se
comércio). Isso é qualificação jurídica.
O que a Lei exige é a comprovação,
quando necessário, de que o particular tem condições efetivas de entregar ou
executar o que está sendo licitado. Isso já é qualificação
técnico-operacional.
Segundo uma resposta da Consultoria
Zênite,
"De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, os atos
praticados fora dos limites do objeto social, mas em conformidade com o ramo da
atividade desenvolvida pela pessoa jurídica, não são considerados inválidos.
Caso um determinado licitante apresente contrato cujo objeto social não mencione exatamente aquele pretendido pela Administração, ele pode ser considerado habilitado, desde que as atividades por ele desenvolvidas sejam pertinentes com as finalidades descritas no ato constitutivo."
Vejamos um caso concreto. Na Decisão
756/97, o TCU estava julgando um Convite para manutenção de cadeiras e estofados. A empresa vencedora não tinha no contrato
social e nem executava na prática, atividade compatível com o serviço licitado.
O TCU entendeu que "por mais extensiva que seja nossa interpretação",
a empresa não era do ramo. Interessante que o Tribunal determinou que, nesses
casos, seja utilizada a faculdade da diligência (§ 3º do art. 43 da Lei nº
8.666/93) "para complementação da instrução de processo de licitação
sempre que houver algum indicativo de possível irregularidade na qualificação
dos licitantes".
Perceba que o TCU não estava buscando
uma descrição literal do objeto licitado no contrato social da empresa. O que
estava em jogo era a comprovação de que a empresa atuava no ramo pertinente, o
que poderia ser evidenciado até com diligência na própria empresa.
Outro caso. No Acórdão 4561/2010-1P,
o TCU se viu diante de uma empresa com CNAE (Classificação Nacional de
Atividades Econômicas) de "comércio por atacado de peças e acessórios
novos para veículos automotores" quando a contratação tratava de
"serviços de manutenção em veículos". No Contrato Social constava:
"comércio a varejo e prestação de serviço de instalação, substituição e
reposição de peças, componentes e acessórios de veículos, bem como exercer
todas as atividades conexas, consequentes e complementares".
O TCU entendeu que estava tudo bem,
não apenas porque o Objeto Social contemplava o ramo licitado,
mas também porque ao acessar o site da empresa, foi verificada a procedência
das informações, ou seja, a empresa atuava mesmo na manutenção de
automóveis.
Outro exemplo. Reexame
Necessário nº 599042074 da Primeira Câmara de Férias Cível do Tribunal de
Justiça do RS. Ementa:
“A inabilitação técnica de empresa por falta de qualificação técnica é
restrita às hipóteses do artigo 30 da Lei n 8666/93. O simples fato de o objeto
social da empresa não coincidir precisamente com o objeto central da licitação
não é motivo suficiente para sua inabilitação."
Agora, um pouco de
doutrina. Marçal Justen Filho em Comentários à Lei de Licitações diz que
o contrato social não limita a atuação da empresa, que tem personalidade
jurídica ilimitada. O objeto social destina-se apenas a produzir efeitos de
fiscalização da atividade dos administradores da sociedade. Esse mesmo autor
defende que a compatibilidade do objeto social com a coisa licitada se
relaciona com qualificação técnica. Se uma pessoa jurídica tem experiência
adequada e suficiente, não será a falta de previsão expressa no contrato social
um empecilho para sua habilitação.
o próprio Manual de Licitações do TCU ensina que podem participar
da licitação quaisquer interessados cujo objeto social especifique
ramo de atividade compatível com o objeto da licitação.
Uma boa solução foi adotada pela AGU
em seus editais. Nas minutas de edital-padrão da AGU está previsto o seguinte:
"9. Não poderão participar deste Pregão:
9.1. Empresas cujo objeto social não seja pertinente e
compatível com o objeto deste Pregão.
9.1.1. Excepciona-se o disposto acima, nos casos em que tais sociedades
apresentem autorização específica dos sócios para contratar com a Administração
objeto diverso do previsto no contrato social ou estatuto"
Nesse caso, se o objeto social não
está explicitamente compatível com a licitação, os sócios podem decidir que a empresa
pode exercer aquela atividade adicional e se isso ficar demonstrado, fica
suprida a exigência de a empresa ser compatível com o objeto licitado.
Em recente
interpretação do TCU acerca do assunto, a adoção do Simples Nacional pelas
empresas licitantes é recorrente nas licitações e contratos de serviços
terceirizados. O Tribunal de Contas, Acórdão Nº 797/2011 – TCU – Plenário, analisou
denúncia de que uma empresa vencera licitação para copeiragem e recepção
cotando alíquotas tributárias do Simples, o que lhe teria concedido vantagem
sobre as concorrentes.
Vale, então, resumir
o entendimento do TCU para referenciar casos em que nos deparemos com situação
semelhante.
Primeiro, a LC nº
123, de 2006, veda a opção pelo Simples Nacional por empresas que prestam
serviços de "cessão ou locação de mão de obra".
O Comitê Gestor do
Simples Nacional define "cessão ou locação de mão-de-obra" como sendo
a colocação à disposição da empresa contratante, em suas dependências ou nas de
terceiros, de trabalhadores que realizem serviços contínuos relacionados ou não
com sua atividade fim, quaisquer que
sejam a natureza e a forma de contratação. Por colocação à disposição da
empresa contratante entende-se a cessão do trabalhador, em caráter não
eventual, respeitados os limites do contrato (Resolução CGSN nº 58, de 27 de abril
de 2009).
Assim, as empresas
que prestam serviços à Administração Pública, na modalidade de execução
indireta das atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares,
conforme estabelecido no Decreto 2.271/1997, exercem a atividade econômica
genérica de cessão ou locação de mão de obra. É por isso que as despesas da
União com contratos de prestação de serviços terceirizados são registrados na rubrica
33903700 – LOCAÇÃO DE MÃO DE OBRA, do SIAFI.
Vejam que a
confusão se forma porque Decreto 2.271/1997 veda a contratação de serviços com
caracterização exclusiva de
fornecimento de mão-de-obra.
Então, ao
contratarmos serviços, não podemos
caracterizar apenas como fornecimento de mão-de-obra, mas para efeitos
tributários e de registro contábil, entende-se que serviço terceirizado
contempla cessão ou locação de mão-de-obra.
Pois bem. Então,
empresas que prestam serviços terceirizados não podem aderir ao Simples Nacional (Art. 17, XII da LC 123/2006).
Mas, a adesão ao
Simples Nacional é concedida às empresas, ainda que no contrato social
constem atividades vedadas, desde que a empresa não esteja exercendo essas
atividades. O registro é feito a partir de declaração da empresa e não há
verificação prévia sobre a veracidade do que foi declarado.
Por essa razão, empresas cujo objeto social contemple diversos tipos de serviços, podem declarar que realizam efetivamente apenas as atividades que o regulamento do Simples permite, como, por exemplo, o CNAE nº 8121-4-00 - Limpeza em prédios e em domicílios.
Isso porque a LC
123/2006 trata diferente algumas atividades específicas, como serviços de
vigilância, limpeza ou conservação (art. 18, § 5o-C, VI).
Então, uma empresa
pode se propor a realizar vários serviços terceirizados, que seriam vedados
pelo Simples, mas pode exercer, efetivamente,
apenas a limpeza de prédios, por exemplo. Nesse caso, ela declara à Receita
que atua apenas nessa atividade e opta pelo Simples.
Porém, no momento
em que essa empresa passar a atuar com algum outro serviço terceirizado que
seja entendido como cessão ou locação de mão-de-obra, deverá informar à Receita
e ser excluída do regime especial do Simples.
Baseado nisso, o
TCU emitiu o Acórdão nº 2.798/2010 – Plenário. Assim, entendeu que determinada
empresa optante do Simples pode participar de licitações cujo objeto seja a prestação
de serviços vedados pela LC 123/2006, desde
que comprovada a não utilização do regime tributário diferenciado na proposta
de preços e que, caso venha a ser contratada, comunique o fisco para ser excluída do Simples e passe a recolher os
tributos pelo regime comum.
Ou seja: a empresa
hoje é optante do Simples porque presta serviços apenas de limpeza. Decide
concorrer numa licitação para copeiragem. Na sua proposta, não pode usar as alíquotas
do Simples. E se for contratada, deve informar à Receita e deixar de adotar
o Simples, não apenas para aquele contrato, mas para todas as suas atividades, inclusive
as de limpeza que já vinha prestando em outros eventuais contratos.
Veja-se que a LC
123/2006 é taxativa. As disposições do art. 30, II c/c com art. 31, II determinam
a exclusão do Simples, obrigatoriamente, quando as ME ou EPP incorrerem em qualquer
das situações de vedação e os efeitos passam a valer a partir do mês seguinte
da ocorrência da situação impeditiva.
No entanto, dificilmente
uma empresa faria isso, porque passaria a ter maiores custos em seus contratos
vigentes, por perder os benefícios do Simples. Sendo assim, nestes casos, o que
normalmente ocorrer, é a empresa ser contratada, passar a exercer atividades
vedadas pela LC 123/2006 e omitir essa informação do Fisco.
Essa atitude da
empresa, de participar de licitações e firmar contratos para prestação de
serviços vedados pelo Simples Nacional, não apenas pode significar quebra do
princípio da isonomia (concorrência desleal com outras empresas não optantes do Simples) como
também pode gerar multa e o recolhimento da diferença de tributos de modo
retroativo – quando confrontado o regime diferenciado com o regime comum.
Por causa disso, o
TCU criou um regulamento interno para suas áreas administrativas:
"Assim, na
constatação de qualquer situação impeditiva de opção pelo Simples Nacional
pelas microempresas ou empresas de pequeno porte contratadas pelas unidades
gestoras executoras do TCU, as mesmas deverão ser consideradas excluídas do
Simples Nacional, estando sujeitas às retenções de todos os tributos devidos. A
situação de impedimento de opção pelo Simples Nacional deverá ser comunicada à Secretaria
da Receita Federal do Brasil e à microempresa ou empresa de pequeno porte
contratada, mediante ofício.”
De forma análoga,
no Acórdão Nº 797/2011 – TCU – Plenário, ficou determinado à entidade o
seguinte:
1. incluir nos editais de suas licitações
disposição no sentido de que, em ocorrendo as hipóteses de vedação de opção
pelo Simples Nacional (arts. 17, XII, e 30, II, da LC 123/2006), seja
vedada à licitante, optante pelo Simples Nacional, a utilização dos benefícios tributários
desse regime na sua proposta de preços e na execução contratual (com
relação ao recolhimento de tributos), ressaltando que, em caso de contratação, estará
sujeita à exclusão obrigatória desse regime tributário diferenciado a contar do
mês seguinte ao da assinatura do contrato, nos termos do art. 31, inciso
II, da referida lei complementar;
2. no momento imediatamente anterior à
assinatura de seus contratos verifique se a licitante vencedora, que iniciará a
prestação de serviços à entidade, não se enquadra em quaisquer das vedações previstas
na LC 123/2006, tomando, se for o caso, as providências para que a Secretaria
da Receita Federal do Brasil tenha imediata ciência da situação.
Desse modo, as
referidas medidas devem ser tomadas por todos aqueles que lidam com o processo
de contratação, licitações e contratos de serviços terceirizados.
Em síntese:
Se uma empresa de
limpeza e conservação também presta (ou passar a prestar) outros serviços como
copeiragem, secretaria, recepção, motoristas, porteiros, inspetores,
telefonistas, então ela não se enquadra no
Simples Nacional e, portanto, não
pode utilizar as alíquotas desse regime em suas propostas de preços, nem na
execução contratual.
Assim, para os
processos de contratações que diferem de limpeza e conservação ou vigilância, deve constar cláusula determinando que a
empresa licitante, nesse caso, não poderá utilizar os benefícios tributários do
Simples Nacional na planilha de custos e, se for contratada, perderá o
benefício do regime diferenciado.
E se a empresa
mesmo assim, vencer e for contratada, deve-se informar à Receita Federal
sobre essa situação, para que no mês seguinte à assinatura do contrato ela
deixe de constar no Simples Nacional.
Isto posto, entendemos
a regra também se aplica aos contratos que estejam vigentes e que a empresa esteja
prestando serviços vedados pelo Simples, mas esteja praticando indevidamente as
alíquotas desse regime.